Educação accionária

Manifesto plural e não democrático pela acção da/na educação.

18.6.04

Intervalo

Aproveitando a passagem de 5 meses deste blog, urge uma pausa, para reflectir e preparar modificações estruturais, dinâmicas, accionárias, etc.
Entretanto, água tépida, sol, museus, livros, cd's e dvd's e comboios, muitas viagens de comboios.
Até breve (ou até nem por isso).

17.6.04

Desertificação

16.6.04

Bandeira Nacional - explicação dos símbolos

Governo destrói Alto-Douro

15.6.04

"Erros meus, má política, demissão ardente?"

É o título do comunicado emitido hoje pela FENPROF que, para além de estúpido, se reveste de mau gosto (o título, não o comunicado).
Teremos nós, docentes, razões de sobra para desconfiar, denunciar e exigir novas políticas educativas e, sobretudo, novos rostos directivos. E temos certamente motivos para estrebuchar de raiva perante um novo concurso com demasiados erros e com demasiados docentes envolvidos (14000 candidaturas recusadas).
O que não me parece razoável é ver Luís Vaz de Camões, um dos símbolos maiores da nossa literatura e da intelectualidade do seu tempo, vilependiado por dirigentes comunistas (que em 1974 o baniram do ensino público), em jeito de rábula. É de um mau gosto a toda a prova.
Haja decoro!

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís de Camões
(Não posso deixar de me rir por este post... mas a minha avó, confundindo o barulho de um camião - a senhora tem 89 anos - com trovoada, lança as mãos ao ar e sai-se com esta.)

(Oração popular na trovoada)


«Santa Bárbara se levantou
Seu pé direito calçou
Sua varinha de ouro pegou
Mil léguas caminhou.
A Virgem a encontrou: «Santa Bárbara onde vais?»
«Vou aplacar a trovoada»
«Aplaca-a bem para longe
onde não haja eira nem beira
nem folha de figueira
nem ramo de oliveira
nem galos a cantar
nem cães a ladrar
nem ais por Maria
a bradar.»

Adalberto Dias de Carvalho

Graças a Miguel Pinto, cujo blog consulto todos os dias, descobri alguma da "netgrafia" de Adalberto Dias de Carvalho, em si mesmo um paradigma, e a quem devo,e muito, o meu posicionamento educativo. Textos onde não se dão respostas, mas que afastam o facilitismo inquiridor. Podem ser vistos n'"A Página".

14.6.04

Utilidades para o desemprego - links para as listas provisórias

Segunda-feira, 14 de Junho de 19104

É a data inclusa no site da pró-ordem dos professores (ANPES), por isso é de calcular que os docentes já tenham tido uma ordem, entretanto extinta...

13.6.04

Listas bi-provisórias ainda contêm erros e deixam 14000 sem trabalho

12.6.04

Símbolos nacionais - usos e abusos

O jornal Expresso distribuiu na sua última edição uma bandeira Nacional com erros: os besantes, dentro dos escudetes, estão mal desenhados. Há, para além disso, empresas privadas a estampar pequenos pedaços de tecido a querer parecer a bandeira. É falso. A bandeira deve estar estampada em ambas as faces e não apenas numa. Não compreendo a legitimidade deste uso. Quase por fim: alertou-me CL para o facto de num programa da RTP1, no passado dia 10, (canal estatal e público)que a pequena bandeira inserida no canto inferior direito tinha as cores as contrário, vermelho e verde e não o usual verde e vermelho, da esquerda para a direita.
O Governo poderia ter aproveitado para, de uma forma clara e inequívoca, fazer campanha pelos símbolos Lusos, da bandeira ao hino - o entusiasmo e sentido patriótico não é necessário porque o sentimos de uma forma irrepreensível, mesmo que seja à volta da Selecção Nacional de Futebol.
Lamento ouvir com frequência, demasiada, nas mesas de café que o Hino só tem uma estrofe. É falso. Tem três, embora só se cante uma.
Com música de Alfredo Keil e letra de Henrique Lopes de Mendonça, eis o Hino.



A Portuguesa

I

Heróis do mar, nobre Povo,
Nação valente, imortal
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

II

Desfralda a invicta Bandeira,
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu
Beija o solo teu jucundo
O Oceano, a rugir d'amor,
E o teu Braço vencedor
Deu mundos novos ao Mundo!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

III

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal de ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

9.6.04

Petição pela pesquisa científica europeia

O paradigma em que a Europa vive e prepara para o futuro não pode deixar de passar pela construção de uma base de conhecimentos científicos colocados à disposição das populações que a englobam, por forma a melhorar as condições de vida. Em ambiente de extrema competitividade, a pesquisa científica não pode parar. Por isso, a assinatura desta petição serve para alertar os políticos dessa necessidade e reivindica, para além da afectação imediata de fundos, maior investimento em recursos materiais e humanos. Urge sensibilizar definitivamente a classe política. Por favor, assinem.

3% of the European GDP for Science : When and How ?

A sustained European-wide research effort is essential to build tomorrow’s economic development as well as to extend the region’s cultural influence. In an extremely competitive environment, in which countries like the USA, Japan and China as well, are mobilizing all possible means to develop their scientific sector, only the opening of a European research area, upon the initiative of political leaders but spurred on by scientists in close cooperation with its citizens will allow Europe as a whole and each European country individually to build a knowledge-based economy.


A petição está aqui.

In Memoriam 1942-2004

8.6.04

"Democratização consumada" no Iraque



Liga do Ensino - Um Futuro pela Educação Popular

Por vezes, quando até não as procuramos, aparecem-nos pequenas preciosidades, tal como foi o caso.
A Liga do Ensino, de esquerda progressista, teve como propósito inicial definir mais claramente a laicidade no sistema educativo (francês). Neste momento, transcende já esse propósito e pronuncia-se de uma forma sóbria e esclarecedora sobre questões europeias (já que os "putos" concorrentes, lá, como cá, não dizem nada). A esse propósito vale a pena ler a tomada de posição sobre o preâmbulo da Constituição Europeia.
Há ainda, para nós, cidadãos (e professores) portugueses, uma entrevista a Mário Soares, onde é possível perceber muito claramente (uma espécie de mini-glossário) a opinião, opções e linhas programáticas sobre os desafios da Europa.
A entrevista data de Maio e insere-se no nonagésimo-segundo congresso ("Agir et décider en citoyens d'Europe") que a Liga realizou entre 20 e 23 do pretérito mês, em Lyon.

7.6.04

Expulso da escola e preso por ter escrito um poema

Cinismo Socialista e como o Público se tornou o jornal oficial do PS

As recentes confusões entre a direcção do Jornal Público e o seu corpo redactorial não poderiam augurar nada de bom.
Ontem, ficou a saber-se porquê. A entrevista ao Presidente da República só não é ridícula por se tratar, de facto, de uma figura incontornável do nosso sistema democrático, que respeito.
Pela pena, dir-se-ia inexperiente e inerte, de Maria João Seixas, ficamos a saber exactamente a mesma coisa que já sabíamos acerca do Dr. Jorge Sampaio, Presidente da República. Nem mais, nem menos: exactamente a mesma coisa.

A ascendência, infância, juventude, lutas partidárias, amizades, gostos pessoais, períodos históricos ante e post 25 de Abril...
Sobre a lavagem das acções, das sevícias!, dos peregrinos soldados da Revolução, nem uma palavra! Nem meia, nem nada. Um dia a história nos relatará o que realmente se passou.
Não sei de igual modo que ideias tem sobre a Europa - esta Europa que vai a votos brevemente -, sobre a forma como vê a pretensa campanha eleitoral, como vê e sente as manobras do PC (que parece querer voltar ao PREC) pelas mãos dos sindicatos, como vê a atitude irresponsável de António Costa, como reagiu à festa dada por Ferro Rodrigues no Parlamento, como reage perante um candidato que, a despeito do seu próprio Governo, permitiu que a África do Sul utilizasse a denominação Porto, como vê os recentes acontecimentos na Justiça, etc.
Insiste no desânimo generalizado e chama si a responsabilidade de "desenrascar" o País. E insiste novamente. E não contraria as políticas do Governo (essas, sim, desanimadoras). Lamentavelmente, o PR, de quem tinha tantas expectativas, não se compromete. Limita-se a elencar aquilo que já sabemos; fá-lo de forma mais erudita, é certo, mas não difere do que dizem o João do Minho e da Ana do Algarve.
Quanto à Educação, leia-se a sua resposta:
"P - Onde é que se joga, do seu ponto de vista, o "tudo" que falta à sociedade portuguesa para avançar futuro dentro com outra qualidade e com outro entusiasmo?

R - Na escola. Regresso sempre à escola. É no pré-escolar, no básico e no secundário que tudo se joga: na inventiva, na capacidade de problematizar, na apreciação cívica, na iniciação à cultura científica, nas escolhas pelas artes, nas visitas aos museus, às salas de concerto, ao teatro, no gosto pelas práticas desportivas... Para isso são precisos meios financeiros e a maior parte das escolas públicas não os têm. Não me canso de dizer aos empresários - escolham uma escola como "afilhada", meus senhores, e dêem para lá 300 euros por mês! Seria uma grande ajuda".
Entre a desastrosa 1ª Semana da Educação e a ridícula 2ª Semana (com mediação de seis anos entre as duas), Sampaio só acrescenta o mecenato; ou seja, elenca e não evidencia políticas rigorosas e práticas. Não se compromete.
O dr. Jorge Sampaio, sendo extremamente culto, mas não sendo intelectual, é também inteligente. Perante um PS desorientado, enfraquecido no seu comando, e enraivecido por poder, a estrebuchar por dentro e por fora (em lento processo de implosão desde que Ferro assumiu as funções de secretário-geral), com figuras politicamente desastrosas e socialmente desestabilizadoras, sabe que a melhor forma de ajudar a lista concorrente às europeias é transmitir uma ideia de pessoa cordata, mas incorformada, esclarecida, mas dependente da ajuda de todos os seus co-cidadãos, conhecedora, mas limitada ao próprio desígnio das suas funções. No fundo, não se compromete.
O Público, infelizmente, alinhou nesta linha morna e cínica de fazer política. O PR, como o PS, não quer que Portugal saia do marasmo e inquietção antes de (re)tomar o poder. Esta posição convém ao PS, mas não convém mesmo nada a Portugal.
Comprometimento? Sim, mas só com o PS.

Cinismo Liberal Central

O vizinho aqui ao lado anda preocupado com os resultados do concurso para docentes. Pois... mas olha que só depois das eleições europeias é que o puto dará sinais.
Consta que os pais andam envolvidos em grande azáfama e cuidados com os seus enteados, que andam em mudanças, etc.
Consta! Eu não sei nada!

Prémios informáticos e o cinismo liberal

A notícia vem na edição on-line d'"O Comércio do Porto" e causa-me espanto a forma como ainda há vereadores que julgam que o povo, para além de sereno, é estúpido.
A envolvência de crianças do primeiro ciclo em campanhas políticas, uma subtiliza que pensava já não existir, é atroz.
Não sou contrário ao concurso "Na Escola Separar para Melhor Reciclar", pois parece-me positivo que se comece a incutir nos mais novos valores ecológicos e cívicos. Não duvido também, ou ainda, da boa-fé com que discentes, docentes e encarregados de educação abarcaram a iniciativa (e a atribuição de prémios).
Desconfio e reprovo, naturalmente, o dia em que se premiaram escolas (mesmo admitindo tratar-se do Dia Mundial do Ambiente), pois estamos a uma semana de eleições europeias; quanto aos prémios, não entendo o motivo por que se atribui material informático (reconhecendo-lhe embora toda a importância para o ensino/aprendizagem dos nossos discentes), sabendo-se que compete às Câmaras a manutenção do parque escolar e o seu equipamento.

6.6.04

portuges exames nacionais

Não fazia grande questão de escrever hoje, não obstante, estava eu a ver quem tinha visitado o meu blog quando me deparo com esta pérola. Fiquei mesmo muito comovido. Com lágrimas autênticas de crocodilo e tudo!
Um dos referrals chama-se www.netmadeira.com; como se trata de uma página genérica onde é possível pesquisar, lá fui ver, entre dois bocejos, o que andavam à procura. Para surpresa era de "portuges exames nacionais".
Bom, fica um concelho: primeiro um exame local de portuges da Madêra, depois logo se vê...

3.6.04

Krapp's Last Tape

Uma das peças mais emblemáticas de Beckett. Metade da tradução está aqui...

SAMUEL BECKETT


O ÚLTIMO REGISTO
(KRAPP’S LAST TAPE - La Dernière bande)

Tradução de íncubo



Uma tarde, ao anoitecer, daqui a algum tempo.
A casota de Krapp.
À boca de cena, ao centro, uma pequena mesa cujas pequenas gavetas se abrem do lado da sala.
Sentado à mesa, frente à sala, ou seja, do lado oposto às gavetas, um velho homem deformado: Krapp.
Calça estreita, bastante curta, de um negro conspurcado. Casaco sem mangas de um negro sebento, quatro grandes bolsos. Pesado relógio de prata com corrente. Camisa branca imunda, desabotoada no pescoço, sem colarinho. Surpreendente par de botas, de um branco sujo, no mínimo (tamanho) 48, muito estreitas e pontiagudas.
Rosto pálido. Nariz arroxeado. Cabelos grisalhos em desordem. Mal barbeado.
Bastante míope (mas sem óculos). Duro de ouvido.
Voz rouca muito peculiar.
Andar diligente.
Sobre a mesa um gravador (antigo, com suporte para bobinas) com microfone e diversas caixas em cartão contendo bobinas registadas magneticamente.
A mesa e arredores imediatos banhados por uma luz dura. O resto da cena na obscuridade.
Krapp fica um momento imóvel, dá um grande suspiro, olha para o seu relógio, procura nos seus bolsos, tira de lá um envelope, coloca-o no sítio, procura de novo, tira um pequeno molho de chaves, eleva-o à altura dos olhos, escolhe uma chave, levanta-se e vai até à parte anterior da mesa. Baixa-se, mete a chave na fechadura da primeira gaveta, olha para dentro, mete a mão, tira-lhe uma bobina, examina-a de perto, coloca-a novamente na gaveta, fecha a gaveta à chave, introdu-la na segunda gaveta, olha para dentro, mete a mão, tira uma grande banana. Examina-a ao perto, fecha a gaveta à chave, coloca as chaves no seu bolso. Vira-se, avança até à boca de cena, pára, acaricia a banana, descasca-a, deixa cair a casca a seus pés, mete a ponta da banana na boca e fica imóvel, olhando para o vazio à sua frente. Por fim, trinca a ponta da banana, desvia-se e começa a ir e a vir até ao limite da cena, na luz, ou seja, à razão de quatro ou cinco passos no máximo de cada lado, mastigando sempre meditativamente a banana. Pisa a casca, escorrega, ameaça cair, equilibra-se, inclina-se, olha a casca e finalmente pontapei-a com o pé, sempre inclinado, por cima da boca de cena, fazendo-a cair no fosso. Retoma as suas idas e vindas, acaba de comer a banana, regressa à mesa, senta-se, fica por instantes imóvel, dá um grande suspiro, tira as chaves do bolso, eleva-as à altura dos olhos, escolhe uma chave, levanta-se e vai até à parte anterior da mesa, meta a chave na segunda gaveta, tira uma segunda grande banana, examina-a de perto, fecha a gaveta à chave, coloca as chaves no bolso, volta-se, avança até à boca de cena, pára, acaricia a banana, descasca-a. Atira a casca para o fosso, mete a ponta da banana na boca e fica imóvel, olhando o vazio à sua frente. Finalmente tem uma ideia: mete a banana num bolso do seu casaco, donde a ponta sairá, e o mais rapidamente que pode vai até ao fundo da cena na obscuridade. Dez segundos. Barulho de rolha que se tira. Quinze segundos. Volta para a luz trazendo um velho registo, senta-se à mesa. Pousa o registo sobre a mesa, limpa a boca, limpa as mãos ao seu casaco, bate-as e esfrega-as.


Krapp (com vivacidade) - Ah! (Debruça-se sobre o registo, folheia-o, encontra a inscrição que procura, lê.) Caixa…três…bobina…ccinco. (Levanta a cabeça e olha fixamente à sua frente. Com deleite.) Bobina! (Pausa.) Bobiiina! (Sorriso feliz. Debruça-se sobre a mesa e começa a vasculhar nas caixas examinando-as de perto.) Caixa… trrês… trrês… quatro… dois… (surpreendido) …nove! valha-me Deus!… sete… Ah! patife! (Pega uma caixa, examina-a de perto.) Caixa trrês. (Pousa-a sobre a mesa, abre-a e inclina-se sobre as bobinas que ela contém.) Bobina… (debruça-se sobre o registo)… ccinco… (debruça-se sobre as bobinas)… ccinco… ccinco… ah! putazeca! (Tira uma bobina, examina-a de perto.) Bobina ccinco. (Coloca-a sobre a mesa. Fecha a caixa três, coloca-a com as outras, retoma a bobina). Caixa trrês, bobina ccinco. (Debruça-se sobre o aparelho, levanta a cabeça. Com deleite.) Bobiiina! (Sorriso feliz. Inclina-se, coloca a bobina no aparelho, esfrega as mãos.) Ah! (Inclina-se sobre o registo, lê a inscrição no fundo da página.) Mamã finalmente em paz… Hum… A bala negra… (Levanta a cabeça, olha o vazio à sua frente. Intrigado.) Bala negra?… (Baixa-se novamente sobre o registo, lê.) A serva morena… (Levanta a cabeça, fantasia, debruça-se novamente sobre o registo, lê.) Ligeira melhora intestinal… Hum… Memorável… O quê?… (Olha de mais perto, lê.) Equinócio, memorável equinócio. (Levanta a cabeça, olha o vazio à sua frente. Intrigado). Memorável equinócio?… (Pausa. Encolhe os ombros, debruça-se novamente sobre o registo, lê.) Adeus ao a… (volta a página) mor.

Levanta a cabeça, fantasia, debruça-se sobre o aparelho, liga-o e toma uma posição de escuta, ou seja, o busto inclinado para a frente, os cotovelos sobre a mesa, a mão em concha na direcção do aparelho, o rosto frente à sala.

REGISTO (voz forte, um pouco solene, claramente a de Krapp numa época muito anterior). - Trinta e nova anos hoje, sólido como um - (querendo instalar-se mais confortavelmente faz cair uma das caixas, pragueja, desliga o aparelho, arruma violentamente caixas e registos no chão, leva a fita ao ponto inicial, liga o aparelho, retoma a sua postura.) Trinta e nove anos hoje, sólido como uma ponte, tirando o meu velho ponto fraco, e intelectual(mente), tenho agora todas as razões para o suspeitar, no… (hesita) … na crista da onda - ou pouco faltará. Celebrada a solene ocasião, como todos estes últimos anos, tranquilamente na Taverna. Ninguém. Fico sentado frente à lareira, os olhos fechados, a separar o trigo do joio.


Aponto algumas notas nas costas de um envelope. Feliz por voltar à minha casota, aos meus velhos trapos. Acabo de comer, lamento dizê-lo, três bananas e mal me abstive de uma quarta. Veneno para um homem no meu estado. (Com veemência.) A eliminar! (Pausa.) A nova iluminação por baixo da minha mesa é uma grande melhoria. Com toda esta obscuridade à minha volta sinto-me menos só. (Pausa.) Num sentido. (Pausa.) Gosto de me levantar para ir dar uma volta, depois voltar aqui a… (hesita)… mim. (Pausa.) Krapp.

Pausa.

O grão, vejamos, pergunto-me o que entendo por isso, eu entendo… (hesita)… creio que entendo estas coisas que valerão ainda a pena quando todo o pó for - quando todo o meu pó desaparecer. Fecho os olhos e esforço-me por imaginá-las.

Pausa. Krapp fecha os olhos por instantes.



Extraordinário silêncio esta noite, estico a orelha e nem um sopro ouço. A velha Miss McGlome canta sempre a esta hora. Mas hoje não. Cantigas dos tempos em que era nova, diz ela. Difícil imaginá-la nova. No entanto, maravilhosa velha. De Connaught, tenho a impressão. (Pausa.) Alguma vez cantarei quando tiver a sua idade, se algum dia eu tiver a sua idade? Não. (Pausa.) Eu cantava quando era novo? Não. (Pausa.) Alguma vez cantei? Não.

Pausa.

Acabo de ouvir um velho ano, passagens ocasionais. Não as verifiquei no livro, mas devem-nos levar a dez ou doze anos atrás - pelo menos. Creio que nessa altura vivia ainda com Bianca na rua Kedar, enfim por aí. Safei-me bem, sim, foda-se! Não havia esperança. (Pausa.) Ela não tinha grande coisa, tirando uma homenagem aos seus olhos. Entusiasta. Vi-os há pouco. (Pausa.) Incomparáveis! (Pausa.) Enfim… (Pausa.) Sinistras estas exumações, mas eu acho-as frequentemente - (Krapp desliga o aparelho, vagueia, liga o aparelho) - úteis antes de me lançar num novo… (hesita)… caminho atrás. É difícil acreditar que nunca tenha sido este pequeno cretino. Esta voz! Jesus! E estas aspirações! (Breve riso a que Krapp se junta.) E estas resoluções! (Breve riso a que Krapp se junta.) Beber menos, seguramente. (Breve riso de Krapp sozinho.) Estatísticas. Mil e setecentas horas sobre as oito mil e algumas precedentes volatizadas somente nos débitos da bebida. Mais de 20%, digamos 40% da sua vida de sono. (Pausa.) Planos para uma vida sexual menos… (hesita)…absorvente. Última doença do seu pai. Perseguição à alegria sempre mais débil. Fracasso dos laxativos. Chacota àquilo que ele chama a sua juventude e acção de graças por ela ter terminado. (Pausa.) Aí, uma nota falsa. (Pausa.) Sombra de opus…magnum. E para acabar um - (riso breve) - latido para a Providência.


(Riso prolongado a que se junta Krapp.) O que sobra de toda esta miséria? Uma rapariga num cobertor verde num cais de estação? Não?

Pausa.

Quando eu olho -

Krapp desliga o aparelho, vagueia, olha o seu relógio, levanta-se e vai até ao fundo da cena na obscuridade. Dez segundos. Barulho de uma rolha tirada. Dez segundos. Segunda rolha. Dez segundos. Terceira rolha. Subitamente, um canto desconexo e fraco.

Krapp (cantando).
A sombra desce das nossas montanhas,
O azul do céu vai-se desbotoar,
O barulho cala-se -

Ataque de tosse. Volta para a luz, senta-se, limpa a boca, liga o aparelho, toma a sua posição de escuta.

Registo -

[Pg. 19]

2.6.04

O COMÉRCIO DO PORTO - 150 anos a informar

1.6.04

Blog dos alfabetos

Penso que nasceu hoje mais um blog da...Jacky. É favor ir vê-lo por aqui.

Sincronia de...desenrascanço

A referência ulterior foi-me enviada por mail e é elucidativa do País que (ainda)somos.

"Desenrascanço has a role in the academic juvenile sub-culture in some educational institutions. In some universities and politechnical institutes, the older students known as doutores (Eng. doctors) teach Desenrascanço to freshmen (Port. Caloiros) in a ritual, well known as Freshman Reception in Portugal. It is alleged that this skill is taught (informally) in the Portuguese universities since the 14th or 15th century. The freshmen are ordered to do the most impossible things. They must comply or they will be punished. To solve the problems (desenrascar-se) they must be really inventive and/or have a very convincing reason when they cannot do it. Normally, if they cannot or if they are not smart enough and find a boring solution, punishment is done. The punishment is supposedly done under the Praxis rules (Port. Código de Praxe) and aleggedly no harm can be done to the student. But they can get dirty, do a lot of exercise, and do embarrassing things in public or end up doing nothing and standing still for an hour. Freshmen perform this ritual because they want to be part of academic groups to have fun in the continuous parties these groups organize and to generally have lots of helping friends. In the rituals, the doutores are dressed in black (in 19th century traditional clothes) and freshmen dressed in white (normally a shirt and blue jeans nowadays)."

Das eleições para o PE