A deseducação socratiana
Meu caro JB:
Sei que tardo em justificar o motivo por que defendo a criação de uma ordem de professores - maugrado saber os vícios que lhe estão associados; digamos, brevemente, que todas as teorias corporativistas apontadas são, ou podem vir a ser, verdadeiras.
Recebe, no entanto, esta pequena nota. O governo actual, muito próximo do fascismo - sim, pensei na carga semiótica da palavra antes de a escrever - quer dar-se a ares de modernidade - o que só evidencia o seu estado parolo e pacóvio - e afirma, por um lado, para justificar pela enésima vez o que não existe nem tem consecução, o propagado Plano Tecnológico; às terças é o acordo com Bill Gates, às quintas é uma empresa cuja linha de orientação e investimento vem sendo preparada há 4 anos e permite 46 - quarenta e seis! - postos de trabalho no universo anunciado de 150 mil!, aos sábados é o protocolo com o MIT, às quartas é o cartão electrónico anunciado com baba e demasiada arrogância... e, hélas!, descobriu-se que desde 2003 não havia investimento tecnológico em Portugal...mas, dizia eu, o tal actual governo fascista, o que lentamente corrompe as redacções dos jornais, torna o interior do país devoluto, e debela a classe média, escuso-me a comentar a sua importância para o país, dá-se, por outro lado, à cópia de modelos que nada têm a ver com o sentimento, competência, pragmatismo e, enfim, o ser-se português, mesmo pertencendo a essa aberração chamada UE. Falo, claro, do modelo educativo finlandês e de Bolonha.
O governo, sejamos claros, e mais claros ainda, o PS maçónico, querem o país analfabeto e iliterato. Quando Sócrates anuncia o modelo finlandês como exemplar, culpabiliza a turba operária pelo aparato que não é da sua responsabilidade; mas faz mais: à falta de um verdadeiro plano de acção, da pré-primária ao ensino post-universitário, sem planificação, modelos de avaliação, formação de docentes, criação de estruturas de investigação, parcerias, etc, anuncia-nos já o falhanço do ensino no País. Culpa nossa, que não somos como os finlandeses. O problema é que o senhor Primeiro-Ministro também não. Por isso que, num país em crise financeira e identitária, viaja tanto, para África, Suíça... não procura o plano tecnológico, procura as suas próprias raízes. Um dia, estou certo, encontrá-las-á.
Este longo desabafo, meu caro JB, para concluir com Bolonha. O governo, e em especial o secretário de estado que conjuga o verbo haver no plural - lá está, não é finlandês, é cá dos nossos parolos -, já reconheceu que a maioria das faculdades não forma de modo satisfatório os seus alunos universitários, não porque não queira, mas porque os formadores (formados à força logo após o 25 de Abril) são criaturas disformes e desprovidas de res intelectual. A grande maioria, claro, há-os de excelência inquestionável. Retiro o que disse! Corrijo antes para a ideia de que as faculdades não se regem, e bem, pelo mesmo modelo de ensino e avaliação, há especificidades e áreas de intervenção próprias que devem ser mantidas; será isso que as distingue umas das outras e confere um leque variado de escolhas a quem quer ingressar no ensino superior; competirá, porventura, ao governo a avaliação das suas competências e encontrar formas de nivelar ou equivaler competências pedagógicas dos proponente à carreira docente. (Convenhamos que o sistema a que fui sujeito é/era uma verdadeiro escândalo: orientadores de estágio sem qualidade, competência ou avaliação de espécie alguma; deu-me sempre a impressão que procuravam validade e utilidade sociais...)
Esta forma, não obstante, é dúbia e pode ser equívoca estrutural e, logo no começo, sequencial. As faculdades avaliam já os seus estudantes científica e pedagogicamente (estágio integrado). Como e porquê avaliá-los novamente? Por outro lado, o próprio governo, pelo inenarrável Walter Lemos reconheceu no ano passado, que os professores poderão exercer a sua actividade noutros locais que não (exclusivamente) no ensino público. Desde logo, fica a impressão de haver algo de persecutório e contraditório - fico-me por aqui. Uma Ordem de Professores poderia resolver esta questão; um exame feito por pares para os pares - mas nunca de teor vocacional, por ser ridículo e não ter pés nem cabeça. Há muito que o ensino não é o paraíso do desenrasca por não conseguir fazer outra coisa; os professores de hoje, e com imensa abnegação e resignação social e profissional, são-no por gosto e competência. Não tentem medir o que não é mensurável, não tentem definir o que nem sequer filósofos ousaram (ousaram, mas pouco) definir: a vocação não se explica, sente-se e persegue-se. Recuso-me a prestar provas de vocação perante qualquer governo! O tempo do fascismo já passou - somos livres no que essa liberdade tem de mais evidente e puro: a escolha de querer ou não querer. E eu quis e sou professor, de pleno direito de plena condição, independentemente do local onde exerça a minha profissão! O precedente que este governo quer criar, pode levar a que eu, enquanto cidadão e contribuinte, queira, EXIJA, que os senhores da política também façam um teste de aptidão... política, menoridade mental, meriticracia social, etc...
Bolonha, finalmente e por fim. Já neste blog escrevi que é uma estupidez a reforma do sistema universitário com moldes de países do norte, nomeadamente os anglo-saxónicos, por nada terem a ver com o sistema, infelizmente, praticado no nosso país. Não se deve olhar para dentro pensando no (que está) fora, mas olhar de fora para o que está dentro. Bolonha não será um erro daqui por dez anos, por agora...
Meu caro JB. O que não disse é sobretudo o que te quero dizer, como podes seguramente constatar nesta mediana e sofrível deambulação. A OP (Ordem dos Professores) seria útil para evitar a dispersão e criar, de facto, um instrumento útil entre a classe que a animaria e o ME. Mesmo enfermando de todos os erros de todas as ordens existentes, teria a virtude, creio, de unir e criar uma linguagem comum a todos os professores/educadores. Infelizmente, como compreendes, interessará sempre aos governos a desunião e a confusão entre políticas educativas e sindicais. Detêm a educação não por mérito, mas por demérito nosso que nos perdemos em discussões estéreis. Bolonha é uma delas. E porque em ambos os lados da contenda há argumentos demasiado portugueses, demasiado atascados, porque corporativistas - esses sim - demasiado inflamados e consequentemente estéreis. Nesse sentido, a universidade regrediu para o hedonismo execrável dos assistentes post 25 de Abril. Perde o País, claro.
Recebe um grande abraço
RJB
<< Home