Educação accionária

Manifesto plural e não democrático pela acção da/na educação.

22.10.05

O ranking da mediocridade

Por muito que gostasse que o nosso ME fosse, pelo menos, identificado com teorias liberais, a realidade é outra: padece de um melancólico pré-positivismo.
Não pode um país competitivo ter uma ministra da educação afirmar que "[os rankings] são muito limitados e pouco interessantes", terminando por dizer serem um exercício "negativo e deturpador" (lido no Público e ouvido na TSF às 8.12) e, comcomitantemente a estas declarações e convicções, enviar ou pertimir a consulta da base de dados do ministério por parte de órgãos de comunicação social, para que estes façam a sua própria lista ordenada (com estudos comparativos, pontos de partida e de chegada por si definidos, contraste entre as notas finais curriculares e os exames, etc.)
Da mesma forma, e sobre o mesmo conteúdo, é preocupante que não se acabe com estas listas (que em si próprias são erradas e não são demonstrativas de coisa alguma) e que venha a terreiro a ministra assegurar que para o ano a tutela quer dados relativos à composição social das escolas - "sabemos qual é a etnia dos alunos, mas não sabemos o nível socio-económico dos pais". De tanto querer transparência e rigor, confunde a tutela avaliação com perseguição, confunde uniformização com perseguição e, finalmente, discriminação positiva com invasão da privacidade das pessoas, para além, claro, de estar a traçar um caminho que separe ricos e pobres e que deixe de considerar os alunos como pessoas e os passe a desconsiderar perante classe social aprioristicamente tomada. É liquído dizer-se que um cigano não consiga obter um curso superior? E o filho de um ministro, é já adquirido que terminará com aproveitamento o 12º ano?
Lamento dizê-lo, mas a tentativa de enganar com números potenciais votantes leva a parvoíces destas: sem estudos sustentados e sustentáveis, dados concretos e sérios, equipas avaliativas sérias e competentes, quer nas aprendizagens, programas, alunos e professores, formação pedagógica inicial e contínua, e sem ampla participação da sociedade civil, com o beneplácito dos poderes políticos, passa-se de um positivismo amador para um liberalismo mesquinho e zarolho, socialmente insuportável e injusto e, diga-se em abono da verdade, estendido numa sociedade transcultural cujo paradigma começa já a ultrapassar o pós-modernismo, pouco dado a divisões saloias entre pobres e ricos entre o sim e o não; neste paradigma convergem da mesma forma os ataques filosóficos que há muito definiram o talvez como a opção razoável, ou, se se quiser, o ajuste do sim e do não perante as circunstâncias e os contextos em que ocorrem.
Decorre do que digo, ou complementa, a estupidez do editorial de José Manuel Fernandes. Estupidez, porque defende à partida, de modo cínico e subtil uma lista que não é sua, provavelmente para vender papel, ou gastá-lo. Estupidez também porque demonstra desconhecimento da sociedade em que vive e das escolas que dessa sociedade fazem parte - bem sei que estou a ser excessivo, JMF até tem por hábito, mesmo discordando dalgumas das suas opiniões ser sóbrio. Mas vejamos: considerar esta lista como "exercício de transparência, qualidade a que a administração pública está pouco habituada, mas também porque a divulgação desses resultados ajudou muitos pais a escolherem a escola dos seus filhos - e a liberdade de ensino é um direito constitucional -, ao mesmo tempo que muitas escolas tiveram de modificar métodos e de evoluir" é, na realidade, exercer apenas uma opinião recorrente e sem aditivos, para além de ser equívoca. Liberdade seria sim se o ME permitisse a cada agregado familiar a consulta da sua base de dados, não interferindo na sua análise; com certeza que a liberdade de ensino é garantida constitucionalmente, convém salientar que a aprendizagem também, por isso mesmo é que se compreende que JMF, como a generalidade da população portuguesa não avisada, não implique no seu discurso os discentes, para si são apenas circunstâncias do ensino e da escola em que se encontram e não circunstâncias de si mesmos, do seu estudo e do seu empenho; quanto à escolha das escolas, por parte dos encarregados de educação, que não são necessariamente os pais, localidades há em que não há muito por escolher, e mesmo se a vontade dos encarregados de educação fosse a escolha de uma escola privada, convenhamos que uma grande maioria tem reais dificuldades em pagar as mensalidades - há ainda a questão residencial que JMF parece esquecer: só facultando moradas de outrem é que é possível ir estudar para outra freguesia ou concelho (no ensino público); quanto aos métodos adoptados pelas escolas, seja na turma, na disciplina, na escola ou na interacção escola-comunidade (através da escola democrática, participada, comunitária, transversalmente, transdisciplinarmente, interdisciplinarmente, através de clubes ou de outras formas), que tantas escolas, cientes de que a área-projecto foi um fracasso enorme, souberam e sabem patrocionar em benefício da população estudantil pertinente, sóbria e eficazmente, convém salientar que as grandes falhas deverão ser apontadas aos programas por não serem suficientemente flexíveis para atender as especificidades regionais de uma escola ou de um grupo nela inserido - para além disso ou antes disso, uma metodologia com frutos dados pode não resultar num grupo ulterior. É precisamente neste ponto que a "teoria" de JMF cai por terra. Desconhece, infelizmente, que os professores têm por missão, nas suas aulas, decidir; decidir em função dos programas, da pertinência da sua aplicabilidade e do grupo que têm pela frente, modificando estratégias e métodos. O paradigma do professor reflexivo, para além de se considerar no plano estritamente lectivo em sala de aula, decide e avalia as suas acções; nesse sentido, modifica métodos quase diariamente (exagero voluntariamente, pois não se pode leccionar criando o caos constantemente, o que aconteceria se se modificassem posturas diariamente) em função da eficácia da aprendizagem e utilização das competências mínimas, e para além destas, dos seus alunos.
A discussão escola privada/pública está gasta já. Há boas escolas públicas da mesma forma que as há privadas; há péssimas escolas privadas da mesma forma que as há públicas. A discussão, contudo, não pode encerrar-se na forma mais ou menos profissional dos docentes. Neste ponto, não podemos ser redutores, pois até nas boas escolas há maus professores e o inverso é também verdade. Em abono da verdade, parece-me que se penaliza excessivamente os professores e não se apuram as verdadeiras razões junto dos alunos. A desculpabilização e desresponsabilização dos segundos tem que acabar. Uma questão pertinente, mas que ultrapassa o propósito deste texto, seria inventariar o apoio didáctico existente nas escolas públicas e privadas.
Em conclusão, o dossier do Público e o editorial do seu director não traz nada de novo, nem tão pouco elementos que contribuam para termos uma melhor escola e uma melhor educação. É um discurso gasto e perigoso; só tem em atenção uma pequena parte do guião educativo.
Gostei de uma pequena nota do JN sobre a inflação das classificações nas escolas privadas. De acordo com estudo daquele matutino portuense, baixou em relação ao ano passado e as notas dos exames do 12º ano são muito próximas às notas anuais obtidas pelos alunos. Este pequeno elemento dá-me razão sobre o que acima referi, para além de cada vez mais desmistificar a ideia generalizada que há trafulhice nos colégios.
Por último, e relativamente à propagada pior escola do rankink, a Secundária de Ourique, gostava de dizer isto sem nunca lá ter trabalhado: tenho orgulho em ser professor na escola Secundária de Ourique!