Educação accionária

Manifesto plural e não democrático pela acção da/na educação.

27.8.04

Propina aqui, se faz favor

Ainda a polémica das propinas?

Pequeno exercício de reflexão:

1) Quando fui dirigente associativo, entendeu a AE, da qual fiz parte, que a melhor forma de reivindicar um sistema de ensino com melhor qualidade (pedagógica), concomitantemente com a "afronta" ao então sistema político - o "pedido" de melhores cantinas (e a contrução das que não existiam...), bibliotecas bem equipadas, intervenção informática, etc... -, passaria pelo pagamento de uma taxa, a chamada propina. Sem hipocrisias, admitia-se que o valor de 1.200 escudos da propina deveria ser alterado, em benefício dos estudantes, claro. Assistia-nos ainda cuidados em não interpretar tal pagamento como negócio, afastando dessa forma a hedionda ideia de "cliente". Pelo contrário, pensámos sempre, pensámo-lo agora, que tal é (foi) uma aposta na nossa própria formação e um claro investimento no "sistema educativo"; diversamente da esquerda académica bem mal pensante, reivindicamos o que deve ser naturalmente reivindicado (qualidade pedagógica) ao mesmo tempo que contribuíamos para fortalecer o financiamento universitário. Assim, ingénua e socialmente comprometidos.

2) Os ideais por que nos regíamos foram grosseiramente assassinados. Os governos liberais de centro e de esquerda permitiram que os conselhos directivos das faculdades, com a anuência das Universidades, usassem o nosso dinheiro para pagar ordenados de docentes - alguns deles, bem sabemos, que nem para o primeiro ciclo do ensino básico têm competência -, a conta da electricidade e o papel higiénico. Muitos poucos livros, computadores (a não ser graças ao beneplácito de mecenas, sempre fundações de pomposo nome), material didáctico e/ou pedagógico foram comprados. Houve investimento nulo e, assim sendo, a Universidade estagnou.
Aqueles que, num primeiro momento, desconfiaram e depois aceitaram que o montante da propina fosse equitativamente atribuído (um aluno de Letras gastará sempre menos do que um aluno de Medicina) por Universidade e não por Faculdade, deveriam saber que o desfecho seria este; a própria faculdade continuou a manter a mesma orgânica nos departamentos: os alunos opinavam sobre o material a ser comprado, perante uma lista preparada pelo docente responsável, mas invariavelmente lá era comprado um livro estrangeiro que esgotava o orçamento, livro esse um colega requisitava ad eternum para a sua tese de doutoramento, também ad eternum.

3) Não entendo a contestação. Não há, da parte dos protestadores, qualquer sentido cívico. Protestam porque a Imprensa do 25 de Abril (que ainda não percebeu que a Universidade já não é a mesma da do tempo de Veiga Simão, Hermano Saraiva ou Marcelo Caetano) lhes concede espaço e os cita, num discurso sempre igual,num registo linguístico pouco próprio e repleto de erros de concordância, orquestrado por miseráveis associações ligadas a partidos políticos.
Curiosamente, é essa turba que "enriquece" as casas nocturnas e as operadoras de comunicações móveis. Compreende-se...

4) Vem isto a propósito das recentes declarações do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra - em período estival, e tudo! - e da sua proposta de pagamento faseado de propinas. Quem não pagar, sai do "sistema". Acho bem mal!
Quem, até à data, ainda não pagou deveria ser imediatamente afastado; conhecem as regras e prevaricam. Não pode haver contemplações!
O que estranho, porém, é isto: na semana imediatamente anterior, foi noticiado que o financiamento do Ensino Superior estaria condicionado, a começar já para o próximo ano lectivo, pelo desempenho dos seus docentes.
Será esta uma forma, pergunto ingenuamente, de, à custa das propinas e dos seus pagadores, manter o sistema actual de contratações e pagamento de docentes?
Onde cabe a Universidade e que Universidade é esta que "ameaça" os seus principais actores no mês de Agosto, em pleno período de férias?
O que receais e por que receais?