O direito à vida não pode ser referendável para salvar politicamente Sócrates
A Assembleia da República aprovou durante a tarde de hoje - embora não haja certeza em que Legislatura se reuniram - a possível tábua de salvação do Eng. Sócrates, o referendum ao aborto.
De forma leviana, pretendem incluí-lo, as pressões legítimas e ilegítimas já começaram junto do PR, depois das eleições autárquicas.
Sabendo-se, ou prevendo-se uma derrota estrondosa nas eleições autárquicas - infelizmente vai ser assim, penalizar-se-á eventualmente bons autarcas do PS, como forma de protesto e indignação pelo mau desempenho governamental-, e sabendo-se ou prevendo-se dificuldades em eleger Soares como futuro PR, arranjaram uma vitória fácil com o referendum. Mas fizeram mais: desconhecendo-se, de facto, a legislatura em que tal ocorrerá, e numa matéria que parece reunir consenso em todos os esprectos políticos (PSD e CDS votaram contra o timming, não contra o conteúdo), será fácil ao PS acusar a direita de obstacularização ao referendum e, com isso, tentar obter dividendos políticos.
Sempre me pareceu que a esquerda portuguesa, depois da não aprovação de há seis anos (?), se comportava caninamente, querendo à força aprovar o que o povo, livremente escrutinado, não queria, acusando-o de fascista; um pouco como as crianças, quando o resultado do jogo lhes não agrada, mudam as regram.
Entretanto, o que fez a esquerda, para além da intromissão em julgamentos de mulheres que abortaram, pela educação sexual nas escolas e nas comunidades e pelo apelo a uma sexualidade sã, consciente e responsável? O que fez pelas mulheres que abortaram? O que fez pelas mulheres que não abortaram e teimaram em ter os bebés? Conseguiram, para além da estúpida campanha do ano passado de Louçã, nas pouquíssimas campanhas cívicas falar da questão pela questão, afastando-se do nexo partidário? Não! Então, que legitimidade ou superioridade moral têm para aparecerem como se de únicos argonautas e patronos se tratassem?
Sou pelo direito à escolha, primeiro de ter uma relação sexual com quem bem entender, de forma que entender, de decidir o direito à paternidade, sem que seja considerado fascista, ou não, sem que seja considerado assassino; de qualquer modo, sobre este último ponto, o constante na Constituição é garante suficiente da sobriedade da escolha e do seu limite, também: em caso de má formação do feto, em caso de violação ou risco de vida para a mãe. Devia bastar, pois é moralmente aceitável, jurídica e socialmente pertinente e cientificamente pragmático e correcto (o prazo em que tal pode ocorrer). Insistir nesta questão da forma estúpida e continuada como certa esquerda pretende, retirando ou pretendendo retirar daí dividendos políticos, é continuar a humilhar as mulheres que dizem defender, expondo-as e não as ajudando, e colocar entraves difíceis de contornar na sociedade a que pertencemos para uma educação sexual sã, discreta, séria e apolítica, não pode ser levado a sério. Infelizmente, o charme discreto do poder, ou a sua ilusão, afasta-os, aos políticos, irremediavelmente da realidade de que provêm, da turba que representam, dos valores que um dia acreditaram ser, também, os seus.
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