Recebido por e-mail e a merecer resposta talvez amanhã. Isto saiu no Publico ha uns tempos e reflecte, em parte, tambem muito do que eu penso sobre as ordens.
Devias configurar o blog para que os leitores pudessem por os seus comentarios a cada post, assim poderia explicar a todos o meu exemplo com a ordem dos biologos, à qual nao pertenco, e nao quero por nenhum meio vir a ter de pertencer. Sendo assim, explicar-te-ei so a ti, em pessoa, entre um café ou uma cerveja ;-)
Quanto à OPA, porque é q os franceses nao iriam querer saber sobre o futuro de uma empresa da qual eles possuem quase um quarto do capital?
So tenho medo de uma coisa, é de que nada mude... Em frança e espanha os acessos adsl e de comunicaçoes em geral sao bastante mais baratos do que aqui. (p.e. eu pagava 20 euracos por um acesso de 16Mb, e se quisesse o mesmo aqui teria de pagar 61 (sapo, para 8Mb apenas) ou 35 ( clix, 16Mb, que ja pedi mas que tarda 6 (!) semanas a ser activado. no comments). Ate agora toda a gente me explicava isso como sendo o fruto do monopolio da PT em territorio nacional. Nao percebo um boi de economia, ta certo, mas, mesmo assim, com um chefe diferente, a coisa nao vai continuar na mesma monopolizada? Porque é que toda a gente parece assim tao contente com este sinal de "vitalidade" (da pra rir, nao?) da nossa economia?
beijo,
joão
As ordens na ordem
Vital Moreira
Dois acontecimentos recentes vieram chamar a atenção mais uma vez para as ordens profissionais. O primeiro foi a rejeição na Assembleia da República de uma petição que pretendia a criação de uma ordem dos professores; o segundo foi a condenação, pela Autoridade da Concorrência, de duas ordens profissionais (médicos dentistas e médicos veterinários) por motivo de fixação de honorários profissionais. Vale a pena voltar ao assunto. A rejeição da pretendida ordem dos professores parece significar o fim da deriva neocorporativista que desde o 25 de Abril fez instituir várias ordens profissionais (e outras corporações profissionais públicas afins), levando à criação de um clima favorável à revindicação de novas corporações profissionais públicas por parte de inúmeras profissões. De facto, a partir da criação da ordem dos enfermeiros e da ordem dos economistas, tudo parecia possível nesta área. É de esperar, portanto, que doravante não baste a vontade das profissãos interessadas para criar mais umas tantas ordens e que passará a haver um critério material para a identificação das profissões elegíveis para constituir novas ordens. Por sua vez, as decisões da Autoridade da Concorrência, aliás segundo uma linha iniciada pelo antigo Conselho da Concorrência, traduzem a plena aplicação das regras da concorrência aos serviços profissionais organizados em ordens, considerando estas como "associações de empresas" (no sentido amplo que a noção tem no direito comunitário), pelo que a fixação de honorários constitui uma evidente restrição à concorrência. Mas a aplicação directa do direito da concorrência às ordens profissionais, incluindo a sua sujeição à jurisdição da Autoridade da Concorrência, levanta alguns problemas, visto que as ordens são entidades de direito público sujeitas ao direito administrativo e aos mecanismos próprios de "judicial review" da ilegalidade dos seus actos. As ordens profissionais apresentam uma incontornável duplicidade: por um lado, são associações de agentes económicos, de prestadores de serviços, cujos interesses colectivos visam defender; por outro lado, são organismos oficiais (associações ou corporações públicas), encarregadas da regulação da profissão (acesso à profissão, disciplina profissional, etc.). A ideia básica que subjaz às ordens profissionais é a de que existe convergência, ao menos parcial, entre o interesse público na regulação da profissão e o interesse colectivo da própria profissão nessa mesma regulação. Concretamente, trata-se de pôr ao serviço da realização do interesse público o interesse da própria profissão em garantir a qualidade dos serviços e em punir as infracções à deontologia profissional, em defesa do bom nome e do prestígio da profissão. Mas é evidente que as ordens podem potenciar as típicas tentações das profissões organizadas em todo o lado, que são o malthusianismo profissional (ou seja, a limitação artificial do acesso à profissão), a ampliação do âmbito do exclusivo profissional na definição das funções profissionais e a restrição da concorrência (fixação de honorários, proibição da publicidade, etc.) para majorar os proventos dos seus membros. Por isso, as ordens profissionais tendem a funcionar, na melhor das hipóteses, como um "grupo de interesse oficial" e na pior como uma cartel público. Nos últimos anos, têm-se acentuado entre nós os esforços das ordens para limitar o acesso à profissão. Sem mencionar as propostas extremas de contingentação anual, até agora sem seguimento, são três os mecanismos utilizados: primeiro, elevar os requisitos académicos para o acesso à profissão (banalização da exigência de licenciatura); segundo, controlar os requisitos académicos à entrada na profissão, através de um exame de ingresso ou da "credenciação" ou "acreditação" dos cursos pela ordem; terceiro, alongar os estágios profissionais e tornar cada mais selectivos os exames de estágio, efectuados pela própria ordem. No caso da Medicina, a limitação do acesso à profissão continua a ser efectuada a montante, pelo numerus clausus dos cursos de Medicina, acompanhado pelo não reconhecimento de cursos de Medicina fora as universidades públicas (que uma zelosa comissão oficial confirmou recentemente). No caso do controlo dos conhecimentos académicos dos candidatos, a intervenção das ordens profissionais é tanto mais questionável quanto é certo que se trata de questionar títulos públicos (mesmo quando conferidos por universidades privadas), que atestam a aprovação nos cursos que legalmente dão acesso à profissão. As ordens deveriam limitar-se a controlar os conhecimentos que elas mesmas podem ministrar, ou seja, as legis artis da profissão e os deveres deontológicos próprios de cada profissão. Ora, o que se verifica é que há ordens que prescindem de qualquer estágio ou de qualquer ensino no acesso à profissão e que em contrapartida são as mais diligentes no controlo dos conhecimentos académicos dos candidatos, que elas não deveriam poder pôr em causa. É evidente que nada disso seria possível sem a conivência do legislador. Embora, em alguns casos, as ordens tenham tomado iniciativas sem base legal (o que bastava para as tornar ilícitas), a verdade é que em geral vieram depois a obter a sua consagração legislativa, através de oportunas revisões dos estatutos ou de legislação avulsa. Esta circunstância serve para revelar a grande influência política das ordens profissionais - ou melhor, das profissões que elas representam - na promoção dos seus interesses. Esta captura do legislador pelas profissões organizadas - sobretudo das que estão organizadas em ordens, por causa da inscrição e quotização obrigatória e da representação de toda a profissão - é facilitada pela falta de uma lei-quadro das ordens profissionais, que regule a sua criação, a sua organização de acordo com os cânones democráticos (o que nem sempre sucede) e as suas atribuições e poderes e que balize a sua intervenção no acesso às profissões e na regulação do seu exercício. Sou dos que entendem que faz sentido a auto-regulação e a auto-administração profissional, sobretudo no caso da autodisciplina profissional, dispensando o Estado de investir em tarefas que ele não está em condições de desempenhar a contento e aproveitando o próprio interesse das profissões em regularem-se a si mesmas. Mas, por um lado, as ordens não são o único formato possível para a auto-regulação profissional, longe disso, como mostra a solução anunciada pelo actual Governo para a autodisciplina profissional dos jornalistas, que não passa pela criação de uma ordem. E, por outro lado, a auto-regulação corporativa, por meio de associações profissionais, não pode converter-se num meio de privilegiar a defesa dos interesses de grupo sobre o interesse público e de transformar as ordens em cartéis legais. No final da década passada, fracassou à partida - mercê da oposição das ordens - uma tentativa de estabelecer um quadro legislativo genérico para as ordens profissionais, capaz de pôr fim ao singularismo legislativo avulso e de fixar alguns parâmetros gerais essenciais sobre as mesmas. Julgo que vale a pena retomar essa iniciativa, agora em melhores condições. Não se trata de nenhum modo de instituir o controlo das ordens pelo Estado - pelo contrário, entendo por exemplo que se lhes deve reconhecer uma ampla autonomia estatutária no quadro da lei, de que elas não dispõem hoje -, mas sim de clarificar, por via legislativa, o seu lugar e o seu papel na regulação das profissões em prol do interesse público, sem restrições constitucionalmente inadmissíveis seja à liberdade de profissão (quer quanto ao seu acesso quer quanto ao seu exercício), seja às regras da concorrência, que numa economia de mercado não podem deixar de fora os serviços profissionais. Professor universitário