Educação accionária

Manifesto plural e não democrático pela acção da/na educação.

30.8.04

Pocinho Barca d'Alva em comboio

À margem da temática deste blog, enquanto a espera pela lista de colocações se torna insuportável, ainda há notícias boas. Esta, saída na edição do JN de hoje (só se lamenta e critica que tenha saído na secção Centro...!), permitiu-me uma rápida viagem sentimental...


(Ponte rodo-ferroviária do Pocinho. Linha de bitola estreita para Duas Igrejas encerrada)


(A 1424 estacionada em São Bento, Porto, com as cores originais)

Da inovação pedagógica

Há na edição de hoje do Express francês alguuns textos que vale a pena ler.
A primeira sugestão vai para o texto intitulado "Como se ensina". Pequena viagem por três das mais importantes teorias educativas e relatos de investigadores sobre as metodologias contemporânea e futura (uma pequena leitura dos fait-divers da coluna da direita podem ser pertinentes) e a (sua) implicação cognitiva na construção de saberes e aprendizagens.
Curioso é também o texto sobre a "nouvelle vague" de docentes em França; pode ser um exemplo.

27.8.04

Propina aqui, se faz favor

Ainda a polémica das propinas?

Pequeno exercício de reflexão:

1) Quando fui dirigente associativo, entendeu a AE, da qual fiz parte, que a melhor forma de reivindicar um sistema de ensino com melhor qualidade (pedagógica), concomitantemente com a "afronta" ao então sistema político - o "pedido" de melhores cantinas (e a contrução das que não existiam...), bibliotecas bem equipadas, intervenção informática, etc... -, passaria pelo pagamento de uma taxa, a chamada propina. Sem hipocrisias, admitia-se que o valor de 1.200 escudos da propina deveria ser alterado, em benefício dos estudantes, claro. Assistia-nos ainda cuidados em não interpretar tal pagamento como negócio, afastando dessa forma a hedionda ideia de "cliente". Pelo contrário, pensámos sempre, pensámo-lo agora, que tal é (foi) uma aposta na nossa própria formação e um claro investimento no "sistema educativo"; diversamente da esquerda académica bem mal pensante, reivindicamos o que deve ser naturalmente reivindicado (qualidade pedagógica) ao mesmo tempo que contribuíamos para fortalecer o financiamento universitário. Assim, ingénua e socialmente comprometidos.

2) Os ideais por que nos regíamos foram grosseiramente assassinados. Os governos liberais de centro e de esquerda permitiram que os conselhos directivos das faculdades, com a anuência das Universidades, usassem o nosso dinheiro para pagar ordenados de docentes - alguns deles, bem sabemos, que nem para o primeiro ciclo do ensino básico têm competência -, a conta da electricidade e o papel higiénico. Muitos poucos livros, computadores (a não ser graças ao beneplácito de mecenas, sempre fundações de pomposo nome), material didáctico e/ou pedagógico foram comprados. Houve investimento nulo e, assim sendo, a Universidade estagnou.
Aqueles que, num primeiro momento, desconfiaram e depois aceitaram que o montante da propina fosse equitativamente atribuído (um aluno de Letras gastará sempre menos do que um aluno de Medicina) por Universidade e não por Faculdade, deveriam saber que o desfecho seria este; a própria faculdade continuou a manter a mesma orgânica nos departamentos: os alunos opinavam sobre o material a ser comprado, perante uma lista preparada pelo docente responsável, mas invariavelmente lá era comprado um livro estrangeiro que esgotava o orçamento, livro esse um colega requisitava ad eternum para a sua tese de doutoramento, também ad eternum.

3) Não entendo a contestação. Não há, da parte dos protestadores, qualquer sentido cívico. Protestam porque a Imprensa do 25 de Abril (que ainda não percebeu que a Universidade já não é a mesma da do tempo de Veiga Simão, Hermano Saraiva ou Marcelo Caetano) lhes concede espaço e os cita, num discurso sempre igual,num registo linguístico pouco próprio e repleto de erros de concordância, orquestrado por miseráveis associações ligadas a partidos políticos.
Curiosamente, é essa turba que "enriquece" as casas nocturnas e as operadoras de comunicações móveis. Compreende-se...

4) Vem isto a propósito das recentes declarações do Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra - em período estival, e tudo! - e da sua proposta de pagamento faseado de propinas. Quem não pagar, sai do "sistema". Acho bem mal!
Quem, até à data, ainda não pagou deveria ser imediatamente afastado; conhecem as regras e prevaricam. Não pode haver contemplações!
O que estranho, porém, é isto: na semana imediatamente anterior, foi noticiado que o financiamento do Ensino Superior estaria condicionado, a começar já para o próximo ano lectivo, pelo desempenho dos seus docentes.
Será esta uma forma, pergunto ingenuamente, de, à custa das propinas e dos seus pagadores, manter o sistema actual de contratações e pagamento de docentes?
Onde cabe a Universidade e que Universidade é esta que "ameaça" os seus principais actores no mês de Agosto, em pleno período de férias?
O que receais e por que receais?

23.8.04

Estranhas coincidências

Quando o ME se prepara para divulgar as listas de colocação de professores, "O grito" de Munch é roubado!
A mim, ninguém me cala!

19.8.04

Reprovação socio-educativa em Espinho

Apesar do esforço de tantos e de quase todos os agentes educativos (que não se cingem às escolas) há notícias, como esta, que mostram claramente a inexistência de valores morais e sociais.
Fica a pergunta: quem são, na realidade, os verdadeiros deficientes?

Alunos da Casa Pia criam blog

18.8.04

XIV Congresso Mundial de Pediatria

São estúpidos os números apresentaodos pelo congresso: 11 milhões de crianças morrem no mundo de doenças que podiam ser evitadas e tratadas.
A notícia no Expresso.

Livros para Timor

(o post transcrito foi roubado ao alex - ; dizer ainda que o governo português se prepara para reduzir o número de docentes naquele país...)

É uma vergonha que as crianças em Timor só tenham livros de leitura em inglês, oferecidos pela Austrália!
Para que a nossa língua não desapareça, acho que deveriamos fazer um esforço enviando livros para as escolas timorenses.
Os livros terão de ser enviados para a Embaixada de Portugal, em Timor.
Informo que existe uma tarifa especial dos correios: 2kg = 2,75 euros (informação dada pelos CTT).


Aqui vai o pedido que recebi de uma professora de lá. Se puderem ajudem e divulguem.
Obrigado.
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Encontro-me a leccionar em Dili, na Escola Pre-Secundária Cristal.

Esta escola, à semelhanca de muitas, nao têm Biblioteca.

Tem apenas uma estante, na sala dos professores, na qual se encontram apenas livros em inglês oferecidos pela Austrália.

Os únicos livros em português são os manuais escolares e gramáticas de português que foram fornecidos às escolas.


Já perceberam o que eu quero? Gostava montar uma biblioteca naquele espaço.


Será que alguém tem por aí alguns livros, de preferência livros literatura infantil/juvenil, manuais escolares de várias disciplinas, entre outros, como revistas e jornais que ja não vos façam falta?

Se tiverem enviem-nos, por favor. Decerto que vão ser muito úteis aos nossos alunos e às escolas timorenses.


Se estiverem dispostos a contribuir aqui vai o nosso endereço:


Embaixada de Portugal em Dili

A/c Professora Ana Medeiros - Dili

Edificio ACAIT

Avenida Nicolau Lobato

Dili

Timor Leste

Ana Medeiros (pedido recebido por email)

17.8.04

Dos lastimosos políticos portugueses

Aliud est meminisse, aliud scire. Meminisse est rem comissam memoriae custodire; at contra scire, est et sua facere quemque, nec ab exemplari pendere, et toties ad magistratum respicere.
Seneca ep. XXXIII

Uma coisa é lembrar, outra coisa é fazer. Lembrar é guardar uma coisa confiada à memória; saber é ser apto a fazer as coisas, sem necessidade de exemplos e sem a cada passo recorrer aos mestres.

Leituras

Umberto Eco. Leio crítica que lhe é dirigida - e muito bem acolhida - e sinto-me, de novo, membro de uma imensa maioria, aquela que lê por prazer.
Muito bom o texto de Bondanella ("Umberto Eco e o Texto Aberto") sobre a evolução do italiano, da sua teoria semiótica até à acção narratológica das teorias social e cultural.
Penso faltar, talvez, na assumpção da estética do prazer da leitura, a mediação da fenomenologia.

Dos seis passeios nos Bosques da Ficção,
"Mas todo o passeio num mundo ficcional tem a mesma função que uma brincadeira infantil. As crianças brincam com bonecas, com cavalos de madeira, com legos, para se familiarizarem com as leis físicas do universo e com as acções que um dia terão de realizar a sério. Do mesmo modo, ler ficção significa jogar um jogo atavés do qual conferimos sentido à imensidão das coisas que aconteceram, acontecem ou acontecerão no mundo real. Lendo romances, escapamos à angústia que de nós se apodera quando procuramos dizer algo de verdadeiro sobre o mundo real. Esta é a função terapêutica da narrativa e a razão por que as pessoas contam histórias, e sempre as contaram, desde os primórdios da humanidade. E sempre foi esta a suprema função do mito: encontrar uma configuração, uma forma, no turbilhão da experiência humana".

Eu, lector in fabula, suspendo por ora e tempo indeterminado formalismo, estruturalismo, semiótica e correntes derivacionistas e aproveito menos da fenomenologia.

A leitura de "A Ilha" de J.M. Coetzee, prémio Nobel do ano transacto, parecia-me pertinente, uma outra parábola de Robinson Crusoé. A tradução, todavia, consentida pela Dom Quixote enferma construções linguísticas erradas, para além de abusos semânticos (um dos exemplos, é a proverbial expressão "há dez anos atrás"). Desconfio que não lerei até ao fim.
Vejamos o processo de nomeação do futuro presidente da UE.

1.- A UE tem 25 Estados membros. Mas como desses apenas 12 participam em todas as politicas da UE, o presidente da Comissão Europeia só pode ser escolhido entre 12 e não entre 25.

2.- Desses 12 Estados membros, há 3 (França, Itália, Bélgica) que são excluídos, pois já tiveram um presidente da comissão. Sobram apenas 9.

3.- Desses 9 Países, há 5 (Alemanha, Espanha, Hlanda, Irlanda, Grécia) que ficam excluídos à partida, pois já detêm cargos de relevância na UE. Sobram 4 Países.

4.- Dos 4 Países que ficam, foi convidado oficialmente o primeiro-ministro do Luxemburgo, que recusou o cargo alegando ter um compromisso com o eleitorado (do Luxemburgo). Sobram, portanto, três Países: Áustria, Finlândia e Portugal.

5.- Uma das imposições para se ser presidente da comissão europeia é saber falar Inglês e Francês. Ora, mais de 99% dos Austríacos e Finlandeses não o sabe fazer. Resta, pois, Portugal, como de costume no último lugar e por exclusão de partes.

12.8.04

DIRECÇÃO GERAL
DOS RECURSOS
HUMANOS DA EDUCAÇÃO

AVISO

A fim de dar andamento a todos os procedimentos
dos concursos, esta Direcção Geral não poderá
corresponder ao atendimento pessoal. Pelo facto,
que lamentamos, pedimos a melhor compreensão
aos Senhores Docentes que receberam as
notificações de indeferimento da reclamação
apresentada sobre os elementos da lista provisória
de ordenação e de exclusão. Como é normal
podem apresentar recurso hierárquico durante os
trinta dias úteis, a contar da data de publicitação das
listas definitivas de colocação e de exclusão, que
deverá ocorrer no final de Agosto corrente.
Lisboa, 9 de Agosto de 2004
A Directora-Geral
Joana Orvalho

9.8.04

Paulo Branco em entrevista ao Le Monde

Há no Le Monde on-line uma entrevista ao presidente de Gemini Films, Paulo Branco. Vale a pena lê-la por uma intervenção da arte pela arte (cinematográfica).

O artigo

uma página sobre a filmografia de Paulo Branco

Bloggers são jornalistas?

Concurso de docentes para a Europa

2.8.04

As linguagens da linguagem

As linguagens da linguagem – do conceito de gramática à emergência da língua

«Gramática é vocábulo grego. Quer dizer ciência de letras e, segundo a
difinição que lhe os gramáticos deram, é um modo certo e justo de falar e
escrever, colheito do uso e autoridade dos barões doutos.»
Fernão de Oliveira


Origem, unidade e fractura

A Língua Portuguesa, como qualquer sistema novi-latino, tem visto ser-lhe atribuída estudos de duas espécies: (quase) independentemente de uma visão diacrónica ou sincrónica, repousa na taxonomia a sua historicidade, que as gramáticas afixaram em último capítulo, e, dito de forma ligeira, a proveniência do seu léxico, a que os antigos filólogos – arqueólogos de étimos - apunham à estrutura sintáctica base (sujeito, predicado e complementos diversos).
Dito assim, a confusão assalta-nos imediatamente, se considerarmos que pretendemos que duas visões apenas (e a filologia está próxima de nós...) dêem conta de fonologia (ortografia), fonética, morfologia, sintaxe, semântica e, dos nossos dias, pragmática; contudo, esta necessidade imperiosa de ordenar estava tão presente na Idade Média, como está nos nossos dias. A diferença única, a nosso ver, é a reserva actual que estudiosos de determinado campo têm perante diversas disciplinas, mesmo se completam ou complementam o seu próprio objecto de estudo; diferança sentida, ainda, perante um sistema normativo visto como necessário e materializado, claro, em gramática.
Diacronia e sincronia à parte, importa perguntar qual a origem da Língua Portuguesa – até porque a existir gramática a sua sistematização pressupõe que haja uma língua (langue e parole saussurianas) de partida; ou várias. É mais ou menos pacífico entre todos os académicos e a comunidade em geral que o Português provém da Língua Latina. Sendo isto verdade, de qual língua latina?; da culta ou da bárbara? E que língua(s) se falavam na Península Ibérica?
Como se vê a questão não é simples e até chegarmos ao Português actual muitos séculos se passaram e muitos sistemas foram aqui experienciados. A Língua Portuguesa não pode ser indissociável, por exemplo, da conquista romana da Península Ibérica, da invasão dos bárbaros germanos, da constituição dos impérios bárbaros, como o visigótico, do domínio árabe na Península Ibérica, da luta da reconquista cristã, da formação do reino de Portugal e da expansão ultramarina.
Fiquemo-nos, todavia, no local onde o Homem tomou consciência da sua implicação social e cultural e começou a instalar-se com propiedade na História, o Renascimento.
A história da Língua Portuguesa debate-se entre dois pólos: o português medieval e o moderno. Entre os séculos XV e XVI o Português deriva para duas correntes: uma popular, continuadora do estilo medieval, e outra erudita, de feição e molde latinizantes, falada pela elite culta e literata, que pretendia tornar-se paulatinamente a língua padrão. Atente-se, contudo, nisto: a parole erudita nunca se impôs de imediato à parole bárbara, tendo a última, tal como os seus falantes resistiam ao poder instituído, prevalecido como uso e defesa perante a elite... A unidade nacional ficaria para mais tarde!
A par desta tensão linguística, assiste-se a dois factos que contribuíram decisoriamente para a formação do Português: o Latim assume definitivamente a condição universal de cultura e Fé e as línguas vernáculas começam a merecer as primeiras valorizações nacionais (o facto político não lhe é alheio...). O caso português é independente do movimento latinizante e precede-o. Fernão de Oliveira, com a sua Grammatica da Lingoagem Portuguesa de 1536, tornou-se o primeiro gramático português e retém a herança vernacular de D. Dinis, ao instituir o Português como língua oficial, em substituição do Latim, e, no século XV, de D. Duarte que, no seu Leal Conselheiro, aconselha que se evite o uso de latinismos. A novidade da gramática de Fernão de Oliveira reside na fixação da língua natural que até à época se usava e não a que se construía, cuja superficialidade, dizem alguns, aponta. Quatro anos mais tarde (1540) A Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros aparece e é diversa da de Fernão de Oliveira. Defendendo também a escrita fonética (“A primeira e principal regra da nossa ortografia é escrever tôdalas dições com tantas lêteras com quantas as pronunciamos, sem poer consoantes ociosas[...]”.), abandonona, contudo, a noção abrangente de língua do primeiro gramático, para a reduzir a uma variedade eleita por razões sociais: “Gramática é vocábulo grego. Quer dizer ciência de letras e, segundo a difinição que lhe os gramáticos deram, é um modo certo e justo de falar e escrever, colheito do uso e autoridade dos barões doutos.”
Seja como for, barões doutos ou plebe simples inculta, a língua vernácula acolhe no seu seio expressões e étimos latinos, bem como socialectos do grosso da plebe: a dinâmica da língua emerge, dilata-se (pelo/com o contacto com os indigenas dos países visitados com a expansão ultramarina) e já não mais será parada. Na literatura, “Os Lusíadas”, poema nobre (Epopeia), é escrito em português; a diplomacia hesita entre o Castelhano e o Francês no contacto com os diversos embaixadores, mas abandona a redacção de documentos oficiais em Latim e priveligia o Português.


Léxico Português

O léxico português, se preciso fosse dizê-lo, tem reminiscências latinas, a seu maior número, mas também reflecte o contacto dos seus falantes com as mais diversas realidades sociais e culturais.
Esse acervo apresenta um núcleo de base latina popular (sublinhe-se) – resultado da assimilação e das transformações do Latim pelas populações nativas ibéricas – a que se juntam contribuições pré-românicas e pós-românicas. Em Portugal parece ter havido, preferencialmente, bilinguismo, chamado adstrato linguístico, em que, inevitavelmente, a língua portuguesa toma de empréstimo (a longo prazo) dados culturais e linguísticos. Foram, no entanto, os termos populares, que modelaram o léxico português (quer a inserção fonológica, quer a morfológica). Note-se que mesmo nas influências de outras línguas, foi o carácter popular que o determinaram.
O vocabulário português, que compreende nomes de parentesco, animais, partes de corpo e verbos, é formado sobretudo de palavras latinas.
Dentro da contribuição pré-românica destacam-se vocábulos de origem Ibérica (abóbora, barro, bezerro, cama, garra, louça, manteiga, sapo, seara); céltica (bico, cabana, aminho, camisa, cerveja, gato, légua, peça, touca); grega (farol, guitarra, microscópio, telefone, telepatia); fenícia (apenas saco, mapa, malha e mata - não havendo muita clareza quanto à sua origem). A contribuição pós-românica, que compreende palavras de origem germânica, relacionadas com o modo de vida de seu povo e à arte militar, ocorre no século V, época das invasões. São exemplos nomes como Rodrigo, Godofredo, guerra, elmo, trégua, arauto e verbos como esgrimir, brandir,roubar,escarnecer.
Apesar de não impor religião e língua, ao conquistarem a Península Ibérica, os árabes deixaram marcas no nosso léxico. Como camada do adstrato, as palavras de origem árabe correntes em português referem-se a nomes de plantas, de alimentos, de ofícios, de instrumentos musicais e agrícolas: alface, algodão, álcool, xarope, almôndega, alfaiate, alaúde, alicate.
Quanto aos empréstimos culturais, ou seja, os que decorrem de intercâmbio cultural, há no léxico português influências diversas de acordo com as épocas. De acordo com Celso Cunha, "a incidência de palavras de empréstimo no português data da época da constituição da língua, e as diferentes contribuições para o seu léxico reproduzem os diversos passos da sua história literária e cultural".
Na época medieval, a poesia trovadoresca provençal influenciou os primeiros textos literários portugueses. Porém, muitos vocábulos provençais, correntes nas cantigas dos trovadores medievais, não se incorporaram à nossa língua. São exemplos de empréstimos provençais: balada, estandarte, refrão, jogral, segrel, trovador, vassalo...
Do século XV ao século XVIII, muitos escritores portugueses, entre eles os poetas do Cancioneiro Geral, Gil Vicente, Camões, escreviam em castelhano e português, o que se explica pelas relações literárias, políticas e comerciais entre as duas nações Ibéricas. Como contribuição de empréstimos espanhóis para o léxico português, temos, entre muitas outras, palavras como bolero, castanhola, caudilho, gado, moreno, galã, pandeiro... O latim corrente já havia contribuído para a base do léxico português, mas foi durante o Renascimento, época em que se valorizou a cultura da Antiguidade, que as obras de escritores romanos serviram de fonte para muitos empréstimos eruditos. Por essa via, desenvolveu-se um processo de derivar palavras do latim literário, em vez de se partir do termo popular português correspondente (daí uma série de adjectivos com radical distinto do respectivo substantivo: ocular / olho, digital / dedo, capilar / cabelo, áureo / ouro, pluvial / chuva). Esse processo é responsável pela coexistência de raízes distintas para termos do mesmo campo semântico. Houve, também a substituição de muitos termos populares por termos eruditos ( palácio / paaço, louvar / loar, formoso / fremoso, silêncio / seenço, joelho / geolho).
A expansão portuguesa na Ásia e na África foi mais uma fonte de empréstimos. São de origem asiática: azul, bambu, beringela, chá, jangada, leque, laranja, tafetá, tulipa, turbante ... São de origem africana: angu, batuque, berimbau, cachimbo, engambelar, marimbondo, moleque, quitanda, quitute, samba, senzala, vatapá ...
Em virtude de relações políticas, culturais e comerciais com outros países, é natural que o léxico português tenha recebido (e continue a receber) influências de outras línguas modernas. Assim, incorporaram-se ao nosso léxico palavras provenientes do francês (chefe, hotel, jardim, paisagem, vitral, vitrina); do inglês (futebol, bife, córner, pudim, repórter, sanduíche, piquenique); do italiano (adágio, alegro, andante, confete, gazeta, macarrão, talharim, piano, mortadela, serenata, salame); do alemão (valsa, manequim, vermute).

O caminho da pragmática (e a conclusão)

Esta pequena viagem pela história da linguagem, de que a gramática e o léxico adquirem primazia, pretende mostrar que a linguagem, em especial a Língua Portuguesa, é uma entidade viva, multifacetada e, tal como um qualquer organismo, reage ao meio em que está inserido e manifesta-se perante influências externas.
Nos nossos dias, já não faz muito sentido estudar gramática – enquanto documento normativo e encerrado em si mesmo -, mas antes perceber os diferentes estados da linguagem; de uma linguística revolucionária (lembremo-nos das suas contribuições nas análises morfológicas em árvore, em que cada constituinte era tão importante como o seu vizinho – o verbo, núcleo de qualquer grupo oracional, por exemplo, viu a sua importância esvaziada) passamos a uma estrutura linguística interiorizada e inerente à própria espécie humana. Este psicologismo ingénuo, falamos, claro, da gramática generativa de Chomsky, assenta na ideia de que não falamos por imitação, mas por termos estruturas linguísticas mentais que nos são inerentes (moldes pré-concebidos), necessitando apenas de um meio para as materializar. Chomsky, contudo, não pode responder a tudo, no que mostra alguma limitação da sua teoria. Doutra forma vejamos: se a Língua Portuguesa abandonou os modelos latinos por declinações (em que morfemas se aplicavam flexionados sempre em dependência dos vizinhos) e se passou para um sistema de flexão simples – singular/plural, masculino/feminino - (com excepção, talvez, do verbo), de que forma se passou mentalmente de uma estrutura para a outra?; a sua teoria também não explica, que se saiba, como se aglutinam, transformam e adaptam morfemas estrangeiros, de que o caso português é paradigmático.
O caminho actual, porque os linguístas já não se querem mais comprometer com o que quer que seja, é de uma pura linguística de observação dos fenómenos do seu objecto de estudo. A norma, todavia, não é, nunca poderá ser, afastada, sob pena de se perder um património comum que nos identifica; fazendo-o, permite que nos realizemos enquanto sujeito colectivo de/ao serviço de um ideal (trans)nacional.
Do castelhano utilizado na corte e nos primeiros textos literários nacionais, passando pelo francês diplomático, até ao inglês como língua franca e mediatizada, de todos esses idiomas, e de muitos outros, recebemos influências. Em alguns casos, esses vocábulos vieram enriquecer o léxico português, porque o não tínhamos, noutros, foram adaptados fonética e graficamente; sobre esses, apenas podemos registá-los com agrado. Outros, contudo, vieram substituir e colocar no olvido palavras lusas, como o caso irritante de performance (desempenho) e mister (treinador), só para enunciar dois casos.
Há porém, ainda, o crescente caso de fadiga de informação que leva as pessoas a comunicar com brevidade, no caso dos telemóveis com siglas. E, parece, assim nos vamos compreendendo e entendendo.
Ora, esta dinâmica incontrolável só pode ser apreendida, ainda que o não seja em tempo real, infelizmente, pela revitalização da pragmática – ajudada pela semântica, é possível perceber os contextos comunicacionais, as suas causas e implicações.
Sem desdenho pelo passado, há um tempo – este tempo! – em que as mudanças acontecem a um ritmo vertiginoso. Atenção e reflexão são os ingredientes necessários para não nos deixarmos ultrapassar.