Desde sempre, mesmo antes dos tempos universitários, que para mim foram um entrave insuportável ao meu desenvolvimento intelectual, defendi o retorno às "próprias coisas", ou seja, citando Hollenstein, "este retorno é em primeiro lugar uma renegação da ciência em benefício do vivido". Teoria husserliana, sem dúvida, faço o esforço para não me prolongar para Sartre, importa desde já reter esta asserção para defesa da negação posterior do sistema educativo português: conhecer é compreender, e compreender é
apreender a intenção que se exprime através de uma maneira de existir. Sobre isto Merleau-Ponty escreveu que este conhecimento reside em três noções - compreensão, significação e estrutura -; conhecer será, então, no seu entender, "apreender um dado numa certa função, numa certa relação, enquanto este me significa ou me apresenta tal ou tal estrutura".
A ciência humana, pelo menos desde o início do século, mesmo antes de fixar(-se) em taxonomias, procura a base do conhecimento: como defini-lo, alcançá-lo e fixá-lo. Tarefa árdua, sem dúvida, ainda hoje, por mais que estruturalistas e cientistas das ideias (que não são filósofos) nos garantam ter já resolvido a equação, é objecto de estudo.
Objecto. Eis o ponto de partida da ciência. Pode a ciência ser exclusiva dos objectos para os objectos pelos objectos? A resposta, sendo negativa, evidencia claramente o erro capital de honrosas ciências ao não considerar, na mediação da sua explicação, os artífices que os proporcionaram (ou que dos objectos se servem, pois nem todos são concebidos por mão humana).
Se a consideração pertinente de que a humanidade não deve ser despojada da ciência (pode falar-se em ciência pragmática?) é razoável e válida, já menos o é a importância dada à Psicologia. Desde já, sendo um aglomerado de postulados medianamente científicos, situa-se na excepcional "ciência da excepções" - pois se o seu objecto de estudo reside em variantes tão diversas e imprevistas... A reunião das suas conclusões sobre a humanidade - e a consequente imposição à sociedade - são desastrosas! Para cada reacção, para cada imprecisão, para cada erro há uma resposta. Para cada resposta, há uma desculpabilização. Para cada desculpabilização, há uma desresponsabilização. Para cada desresponsabilização, há tarefas sociais que ficam por cumprir.
Exagero, talvez, o certo é que a sociedade, e a escola, padecem desta maleita facilitadora e constrangedora; e o que mais custa é vê-la ser vociferada com a naturalidade de uma respiração saudável.
Do hermetismo científico passou-se, dizem alguns que é a assumpção da democracia, para um esvaziamento estrutural e formal.
Trazer o Homem para o centro das investigações científicas denota evidente progresso geracional, mas da forma como a Psicologia o fez permitiu apenas, como Marx, que a
apercepção revelasse o macaco no homem (cito de cor, provavelmente com algum erro, que assumo).
A forma encerra em si tanto facilidade (facilitismo) com perversidade (de que a escola, sentido amplo, se enraiveceu), senão note-se: a manutenção do seu objecto tem uma originalidade, residualmente democrática, pois detém
um conhecimento - o objecto falar de si próprio para si próprio e para outrem, ainda que frequentemente de modo impróprio e redutor; a perversidade nota-se em que o objecto actua no mundo actual. Quer isto dizer que não há implicação projectiva, não há projecto, não há mediação entre o si e o objecto e não se mune de crítica no conhecimento que almeja; assim sendo, a estrutura aparece virtual e desmorona-se com a mais leve brisa.
Ora, o mal da Educação em Portugal está exactamente em não haver, primeiro, meditação, e, posteriormente, projecção. Actua-se imediatamente e mediaticamente. Estamos a passar perigosamente do plano cartesiano do
cogito, ergo sum para apenas o
sum - e tudo lhe é permitido.
Há, não obstante um plano, direi intermédio, que importa considerar:
cogito cogitationes.
Consideremos esta passagem de Husserl: "A vida psíquica, de que toda a Psicologia fala, é entendida como vida psíquica no mundo". A
epoché fenomenológica, que o percurso das meditações cartesianas depuradas exige de mim enquanto filosofante, exclui do meu campo judicativo não só a vigência do ser do mundo objectivo em geral, mas também as ciências mundas, e até já como factos do mundo.
Para mim não há, portanto, nenhum eu e nenhuns actos psíquicos, fenómenos psíquicos no sentido da psicologia: para mim, por conseguinte, eu também não existo como homem, não existem as minhas próprias
cogitationes como componentes de um mundo psicofísico. Em vez disso, porém, ganhei-me a mim mesmo, e ganhei-me simplesmente como aquele eu puro com a vida e as faculdades puras (por exemplo, com a faculdade evidente: posso suspender o meu juízo) pelas quais o ser deste mundo e qualquer essência têm para mim sentido e vigência possível. Se o mundo se diz transcendente, pois o seu eventual não-ser não elimina o meu ser-puro, antes o pressupõe, então este meu ser puro ou o meu eu puro diz-se
transcendental. Mediante a epoché fenomenológica reduz-se o eu humano natural e, claro está, o meu, ao transcendental; e é assim que se entende a elocução acerca da redução fenomenológica".
(continua)